21 de julho • 4 min de leitura
Por trás de um diagnóstico: a jornada da família atípica
Não é preguiça. Não é desatenção. Muito menos falta de educação. Frases como essas são repetidas diariamente por pais e responsáveis. A criança neurodivergente pode apresentar comportamentos que fogem da “norma”, mas isso não é sinal de desinteresse ou má conduta. É fruto de uma estrutura neurológica diferente, que processa o mundo de modo único. A repetição dessas frases revela não apenas a tentativa de educar o outro, mas também uma necessidade de identificar prejuízos não vivenciados e incompreendidos.
Como o Autismo e o TDAH se Manifestam
Autismo:
É uma condição do neurodesenvolvimento que afeta comunicação, comportamento e interação social. Nem sempre a criança fala pouco ou se isola — em muitos casos, ela fala muito sobre interesses específicos ou busca interações do seu jeito.
• Sensações podem ser percebidas de forma exagerada ou sutil (ex.: ruído do ventilador pode ser insuportável).
• Pode evitar contato visual ou demonstrar afeto de maneira não convencional.
• Demonstra foco elevado em atividades que lhe trazem conforto, como organizar objetos ou repetir ações.
TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade):
É um distúrbio que afeta os processos de atenção, controle de impulsos e regulação do comportamento.
• A criança pode começar várias tarefas e não concluir nenhuma — não por preguiça, mas por dificuldade de manter o foco.
• O corpo parece “sempre ligado”, o que pode ser confundido com agitação ou indisciplina.
• Quando interessada, consegue se concentrar intensamente em uma atividade — especialmente em algo que a estimula..
Os Prejuízos dos Rótulos
Quando uma criança é rotulada negativamente, educadores podem deixar de buscar formas criativas de ensinar. O rótulo funciona como uma “moldura” que limita o olhar do outro sobre o potencial da criança. Sabemos que a autoestima começa a ser construída na infância — e frases como “você não presta atenção”, “pare de ser teimoso” ou “você dá trabalho” podem se tornar feridas emocionais que perduram até a vida adulta. O comportamento diferente muitas vezes afasta colegas e vizinhos, gerando isolamento e dificultando a criação de vínculos. Isso compromete o desenvolvimento de habilidades sociais importantes.
O Rótulo do Diagnóstico: Limite ou Porta de Entrada?
Receber um diagnóstico pode ser um alívio — ele ajuda a entender comportamentos, buscar terapias adequadas e acessar direitos. Mas, infelizmente, ele também pode virar um rótulo limitante quando não é bem compreendido pela sociedade.
Como isso acontece?
• As expectativas se tornam reduzidas: A criança começa a ser vista apenas pelo seu diagnóstico, e não pela sua totalidade. Professores podem acreditar que ela não aprenderá, que será sempre desorganizada ou "incontrolável".
• A identidade é simplificada: Ao invés de dizer “Lucas é criativo, curioso e tem TDAH”, muitas vezes só se ouve “Lucas é hiperativo”.
• Os olhares se tornam julgadores: Comportamentos que são típicos da neurodivergência passam a ser mal interpretados como indisciplina ou desinteresse.
• O estigma afeta a autoestima: A criança percebe, desde cedo, que “ser diferente” é visto como algo negativo — o que pode gerar sentimentos de inadequação e isolamento.
Como mudar essa realidade?
• Use o diagnóstico como ferramenta de compreensão, nunca como definição da criança.
• Promova informações em ambientes escolares, familiares e comunitários.
• Lembre-se: neurodivergente não é sinônimo de incapaz. São formas diferentes de funcionar, e muitas vezes, de brilhar.
Rede de Apoio: A Base que Sustenta o Desenvolvimento
Nenhuma família atípica caminha sozinha por muito tempo. E quando há apoio, tudo muda — desde o comportamento da criança até sua autonomia e autoestima.
Quem compõe essa rede?
• Escola: Professores sensíveis, coordenadores capacitados e adaptação curricular são essenciais.
• Profissionais da saúde: Terapeutas ocupacionais, psicólogos, fonoaudiógolos e neurologistas são aliados na jornada.
• Família estendida: Avós, tios e primos que acolhem sem julgar são pilares emocionais poderosos.
• Amigos e vizinhos: Quando compreendem os desafios, deixam de ser observadores e passam a ser protetores ativos.
Por que ela é tão importante?
• Evita o esgotamento parental: Divide responsabilidades, oferece escuta e ajuda prática.
• Cria ambientes seguros e adaptados: A criança se desenvolve melhor em espaços que respeitam suas necessidades.
• Fomenta a inclusão social: A convivência saudável entre neurotípicos e neurodivergentes ensina sobre diversidade e respeito desde cedo.
A Luta Silenciosa da Família
Dentro dos lares atípicos, há uma rotina invisível que não aparece nas fotos das redes sociais:
• Agendas cheias de terapias e laudos.
• Discussões com escolas por inclusão.
• Noites mal dormidas e preocupações constantes.
• Alegrias em pequenas conquistas que outros talvez nem notem: como usar uma nova palavra ou participar de uma brincadeira.
Promover uma cultura de conscientização sobre autismo e TDAH não é apenas uma questão de sensibilidade — é uma estratégia educativa e social indispensável. Conhecer as nuances do diagnóstico, os impactos dos rótulos e o papel da rede de apoio permite que famílias, escolas e comunidades trabalhem juntas de forma mais efetiva, colaborativa e humanizada.
A compreensão das condições neurodivergentes favorece:
• Práticas pedagógicas mais adaptadas e inclusivas
• Relacionamentos familiares e sociais mais respeitosos
• Ações públicas voltadas à garantia de direitos e acessibilidade
Ao substituir o julgamento pela informação, damos espaço ao desenvolvimento das potencialidades que cada criança carrega — e contribuímos para uma sociedade mais diversa, equitativa e funcional.